outubro 03, 2009

Zeca Corrêa Leite, de vez um poema

Carroças
desenho de Poty
Tinha carroças, Vânia,

tinha carroçasnos meus tempos de menino.

Tinha sabe o quê?

Carroças dos lenhadoresque nos vendiam lenhas a metro,

dos que carregavam lavagem para os porcos,

carroças novas e velhas, bonitas e feias.

E só hoje vejo que todas elas eram lindas e mágicas

e cantadeiras de um amor feiticeiro

que incendiava os dias de lantejoulas daquele tempo.

Vânia do céu, como tinha carroças

e histórias e vidas dependuradas nelas,

espantando cavalos,descansando ao sol da tarde,

guiando os animaispara a zona, vendendo verduras,

transportando carvão, atravessando a madrugada,

pisando em pedregulhos e…

Meu Deus dai-me as minhas belas carroças,

dai-me os castigados cavalos,

os gritos dos lenhadores,das filhas dos lenhadores,

o ranger das rodas, as horas,

o cheiro de café torrado em panelões pretos,

cheiro de café passado em coador,

fumegando no bule, nas canecas esmaltadas.

Ah, meu Deus dai-me o tanque e a água suja das roupas,

embaçada de sabão de cinzas.

Dai-me a voz de minha mãe cantando

e as cantigas de passarinhos e latidos de cães

e Sônia Ribeiro animando seu programa na Rádio Record de São Pauloe

tudo e tudo e tudo que são universos humildes, pequenos,

parecendo migalhas que se perdiam nas toalhas furadas da mesa de minha casa.

Sabe Vânia, esse lugar era bonito

e se enfeitava de sol e carnaval

e espiava por vezes a beleza dos artistas

pelas páginas da Revista do Rádio,

e era bom e tinha seus sustos,seus bêbados, suas brigas na rua,

mas era bom, insistia em ser bom, vivia sendo bom.

Debaixo das estrelas, do céu, das lendas,da melancolia,

das rezas, dos anjos e do inferno,debaixo de tudo isso repousava esse país cálido,

perfumado, com carros e galinhas e boiadas

e sineta de escolas e suspiros comprados na venda.

Repousava esse país das carroças, dos cavalos,dos tropéis,

dos gritos, da linguagem selvagem e humana, do amor dos animais.

E as carroças, ah meu Deus, meu Deus,

passavam por nós invisíveis

nas suas fagulhas de fogo…

de Zeca Corrêa Leite

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Curitiba, Paraná, Brazil
Sou fotógrafa e curiosa. Vivo na cidade de Curitiba e gosto de olhar e documentar a relação das pessoas com os espaços em geral. Levo isso ao pé da letra, quando fotografo as ruas e sua ocupação desordenada. Também nos interiores das submoradias, longe de qualquer padrão de ordem mas com um sentido de segurança, mesmo que penduradas e vulneráveis à primeira chuva. Mas tudo isso tendo como compromisso a beleza, a harmonia. Mesmo na realidade de uma favela, resgatar a dignidade através do belo é o que me interessa. Gosto também, e muito, de design e arquitetura. Da social à contemporânea, o gosto pelo ocupar me interessa. contato: linafaria@yahoo.com.br
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