“ponto final a sangue”
*Foto sem crédito
Crônica de Dante Mendonça, no diário O ESTADO DO PARANÁ:
Em fevereiro de 1988, numa reveladora entrevista a este jornal, perguntamos ao escritor Wilson Bueno no desfecho da conversa, que se estendeu do início ao fim da noite, expediente do poeta: “O teu passado te condena?” Bueno nos respondeu então: “Meu passado me condena e meu futuro me condenará ainda mais, certamente”.
Além de fingidor, o poeta é quase um adivinhador. Assassinado covardemente com uma faca que lhe atravessou o pescoço, o futuro foi ainda mais perverso e o condenou ao “ponto final a sangue” (a justamente bela manchete da Tribuna do Paraná).
Naquela noite em que previu a inclemência do futuro, Wilson Bueno era um jovem escritor de apenas 38 anos e festejado editor de “Nicolau”, o premiadíssimo jornal cultural editado pela Secretaria de Cultura do “maestro” René Dotti. Recém-chegado de efervescente temporada no Rio de Janeiro, com camarote no lendário Solar da Fossa, Bueno se dizia um refugiado com a morte da amiga Clarice Lispector: “Eu tinha uma ligação edipiana com Clarice Lispector. Era o mito lispectoriano. Tinha lido tudo dela, e ela adorava as coisas que eu escrevia. Tenho uma influência muito marcada, no meu trabalho, da Clarice. Poucas pessoas percebem isso, mas tenho. Talvez eu tenha reciclado muito a Clarice, então não se percebe. Mas, quando a Clarice foi para o hospital, se dizimou em 40 dias. Então, em 10 de dezembro de 1977, pela primeira vez um ídolo morreu para mim. Pela primeira vez morreu mesmo, então eu falei: Meu Deus, a gente morre!”.
Depois que Clarice se foi, Wilson instalou-se em sua recorrência (“Eu nunca morei em Curitiba, sempre morei na Vila Tingui”) e daí em diante a morte, agora conhecida, por várias vezes veio lhe bater à porta. Duas dessas visitas foram marcantes, uma delas na Rua Cruz Machado (“Cada um tem a sua cruz, a minha é a Cruz Machado”, diz Fernando Loko), quando o poeta em noite de delírio etílico, já no raiar do dia, jogou-se em frente a um ônibus que brecou em tempo, com as rodas junto ao corpo estendido no asfalto. No brusco freio, alguns passageiros se machucaram. Indignado, o motorista desceu do coletivo aos palavrões, ergueu o pretenso suicida pelo colarinho e o derrubou com um murro.
A morte não sabia, mas daquela humilhante visita o poeta ganhou vida nova: desse corretivo em diante, Wilson Bueno parou definitivamente de beber e fumar, sem nunca ter perdido o bom humor. Se indignava muito, é certo, mas quanto aos desatinos ouvia o seu psicanalista: “Continue bélico e menos estético”.
A morte, esta visitante das horas incertas, recentemente veio ao encontro de Bueno através do livro “Chá das cinco com o Vampiro”, de Miguel Sanches Neto, onde entrou como o execrado personagem Uílcon numa inconsequente aventura punitiva de Sanches contra Dalton Trevisan. Mortificado, Wilson se lamentava ao telefone: “Foi Dalton que me emprestou `Cartas para um jovem poeta´, do Rilke. E ele me dizia: leia esse livro que você vai sacar muita coisa!”.
Wilson Bueno, com sua autoestima esfaqueada, não respondeu à deselegância de Sanches porque a resposta já estava escrita naquela entrevista de 1988: “ Eu sou personagem, eu estava aqui quando Jamil Snege lançou Tempo Sujo, em 1967. Acho que meu espírito visceralmente democrático começa aí: fui a única personagem que não brigou com o Jamil. Tinha coisas escabrosas no livro, que é uma delícia. Todos lá, com os nomes: Bueno era eu, Marcelino era o Walmor mesmo. Todo mundo brigou com o Jamil. Eu não briguei, porque é a vida, é isso aí. Aí eu, virgem, - porque era virgem -, olhando as estrelas candentes do céu, apaixonado pelo suicídio do Van Gogh, ainda era abstêmio, não tinha feito os delírios de hoje”.
Dante Mendonça - O Estado do Paraná.
*mea culpa- preciso digitalizar e organizar meu arquivo em película.
lá tenho, por exemplo, boas fotos do WB.
Um comentário:
Lina:
Saudades do meu vizinho.
O Palacete do Ticotico está lá, frio. Sem o Bueno lá dentro.
Sinta a barra: Leminski, Valêncio Xavier, Jamil Snege, Karam e Wilson Bueno. Estamos ficando cada vez mais sozinhos.
Solda
Solda
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