janeiro 27, 2012









 A ESPERA É UM MOMENTO MUITO LONGO
















É. Ninguém segura a arquitetura do Brasil, já disse jocosamente o Juca Chaves há anos luz.


Se vivemos num conjunto onde, caso o vizinho for negligente em algum aspecto, o efeito da catástrofe pode ser em dominó, da para se pensar em falência urbana?
Acho que nem só por isso, a densidade humana e seus equipamentos criam verdadeiras arapucas.


Moro em uma edificação modernista de quase 60 anos.
Um belo projeto de estruturação sólida e impecável em termos de insolação, ventilação e distribuição vantajosa de espaços, nosso calcanhar de aquiles é o elevador.
Fiquei presa outro dia durante 40 minutos, sozinha, junto com uma carga de importados que estavam indo para o andar de uma associação filantrópica que funciona no último andar.
Fiquei surpresa com meu controle diante à crise.
Espaço pequeno, pouquíssimo ar, sem celular nem sinal do alarme funcionar.
Dei gritos, ninguém me respondeu.
Pensei em que andar eu estaria, antes de tentar abrir a porta.
Depois tratei de fixar minha bolsa de equipamento fotográfico, antes de começar a apertar os botões de comando.
Nada. Voltei a gritar: alguem está me ouvindo? Silêncio.
Pensei então, em que andar estou?
Passados uns intermináveis dois ou três minutos, que eu não uso relógio, nova tentativa de comunição.
-"Alguém me ouve?"  Ninguém responde.
Começo a analisar a capsula que me retem.
Espaço pequeno com praticamente, em planta, uns 70% ocupados, a carga de caixas chegava até o teto.
Nessas caixas, bugigangas do Paraguai, doadas pela Receita Federal.
Quinhentos batons verdes. Maquilagens infantis e mais um monte de inutilidades para mim naquele momento.
A placa com números de telefones de emergência também não localizei.
Absorta com os detalhes, ouço um barulho.
Ei, vocês me ouvem? Ninguém retorna.
"Alôôô! Estou presa no elevador. Vocês me ouvem?"
Que alivio, eles respondem.
"Vocês estão em que andar?"
"Térreo".
"Ah, que bom. Chamem, por favor, o zelador para me tirar daqui".
Volta o silencio.
Passados outros arrastados minutos, ouço de novo o ruído de vozes.
"Ei, vocês avisaram o "seo" Gerard?"
"Quem?"
"O zelador, "seo" Gerard?"
"Ah, o porteiro? Ele não está aqui."
"Claro que não. Ele não é porteiro. É zelador!"
"Aham..."
"Ei, vocês não moram no prédio?"
"Não, a gente só veio fazer a entrega."
"Ah, seus *!#&**#^!, foram vocês que entupiram o velho elevador de muamba?"
Silêncio.
"Vão até o interfone e apertem o botão Z, de zelador e, por Dio, chamem ele pra tomar providências!"
"Tá", respondeu um deles.


Um imensurável tempo se passou, quando comecei a pensar sobre se tinha víveres entre a carga pesada.
Um suquinho, uma caixa de Veuve Clicquot, sei lá. O calor era insuportável e minhas companhias muito michas.


Em seguida, ouço o sotaque inconfundível do alemão guardião do prédio, que me soa como uma sinfonia, um bálsamo.
"Seo Gerard?"
"Iá, ía. Já vou te tirrar daí."
"Como assim? Isso acontece sempre?"
"Nom, nom...Vou até em casa telefonar parra o técnico".


Bem, durante o infinito tempo de espera ao técnico, passei a perguntar ao zelador sobre as possibilidades do desbloqueio da porta, quando, "abre-te cézamo", a porta se abre.
Puxa, como é boa a liberdade!
Como fui controlada. Quantas ciladas a urbe nos arma, e outras reflexões.




Ontem, dinte à tragédia do desabamento de três edifícios do centro do Rio, me vem
a informação de que o elevador é um dos transportes mais seguros do mundo.
Puxa, ainda bem...

















Um comentário:

ricardo garopaba blauth disse...

ALO LINA

não se sabe
prazos de validade
nosso e de outrens
vale o momento
passado já foi
futuro não existe
quando chegar
será momentos
a viver.......

Quem sou eu

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Curitiba, Paraná, Brazil
Sou fotógrafa e curiosa. Vivo na cidade de Curitiba e gosto de olhar e documentar a relação das pessoas com os espaços em geral. Levo isso ao pé da letra, quando fotografo as ruas e sua ocupação desordenada. Também nos interiores das submoradias, longe de qualquer padrão de ordem mas com um sentido de segurança, mesmo que penduradas e vulneráveis à primeira chuva. Mas tudo isso tendo como compromisso a beleza, a harmonia. Mesmo na realidade de uma favela, resgatar a dignidade através do belo é o que me interessa. Gosto também, e muito, de design e arquitetura. Da social à contemporânea, o gosto pelo ocupar me interessa. contato: linafaria@yahoo.com.br
Todos os direitos reservados à autora.
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