Água quente
Mãe, a água tá quente, mãe...
Deixa o pé formigando.
Ando tão cansada que é bom que o pé
formigue na água quente.
Ai, mãe, esta quentura me incomoda.
Olha a minha coxa se arrepiando...
Se ele viesse e visse
que diria de minhas coxas?
Ia achar elas bonitas?
Ia virar a cara?
Ia me chamar de sem-vergonha?
Mãe tenho que cortar as unhas,
tenho que passar esmalte
daquele bem vermelho,
porque vou comprar sandália branca
e vou ao casamento da irmã dele
e vou dançar com ele
e preciso passar esmalte,
entendeu mãe?
Sabe, tem horas que fico pensando que felicidade
é uma coisa que nunca experimentei,
que nunca vai chegar pra mim.
Acho que ela é tão pouquinha no mundo
que não sobrou um pedacinho,
um pequititinho de nada.
Por que será, mãe?
Por que a vida tem que ser do jeito que é?
Ih, mãe, olha o tamanho da lua que vai subindo
lá por detrás do paiol...
Ela parece grávida, não parece?
Ela não parece barriguda?
Mãe será que é bom beijar
namorado na estrada,
numa noite enluarada como esta?
Como será, mãe, como será?
Mãe, a água esfriou na bacia
e eu aqui lavando o pé...
Não tenho mais comichão, a água não queima,
mas se a senhora visse a lua donde eu vejo, mãe,
se a senhora soubesse como são as coisas...
Mãe tem água fervendo dentro de mim
e tá queimando tudo, formigando tudo,
invadindo tudo que nem sei, mãe.
Nem sei...
Zeca Corrêa Leite
Mãe, a água tá quente, mãe...
Deixa o pé formigando.
Ando tão cansada que é bom que o pé
formigue na água quente.
Ai, mãe, esta quentura me incomoda.
Olha a minha coxa se arrepiando...
Se ele viesse e visse
que diria de minhas coxas?
Ia achar elas bonitas?
Ia virar a cara?
Ia me chamar de sem-vergonha?
Mãe tenho que cortar as unhas,
tenho que passar esmalte
daquele bem vermelho,
porque vou comprar sandália branca
e vou ao casamento da irmã dele
e vou dançar com ele
e preciso passar esmalte,
entendeu mãe?
Sabe, tem horas que fico pensando que felicidade
é uma coisa que nunca experimentei,
que nunca vai chegar pra mim.
Acho que ela é tão pouquinha no mundo
que não sobrou um pedacinho,
um pequititinho de nada.
Por que será, mãe?
Por que a vida tem que ser do jeito que é?
Ih, mãe, olha o tamanho da lua que vai subindo
lá por detrás do paiol...
Ela parece grávida, não parece?
Ela não parece barriguda?
Mãe será que é bom beijar
namorado na estrada,
numa noite enluarada como esta?
Como será, mãe, como será?
Mãe, a água esfriou na bacia
e eu aqui lavando o pé...
Não tenho mais comichão, a água não queima,
mas se a senhora visse a lua donde eu vejo, mãe,
se a senhora soubesse como são as coisas...
Mãe tem água fervendo dentro de mim
e tá queimando tudo, formigando tudo,
invadindo tudo que nem sei, mãe.
Nem sei...
Zeca Corrêa Leite
*Zeca, amigo de longa data, que manda, de vez, um poema.
Ele é de uma generosidade única em espalhar seus trabalhos, em geral em torno do universo feminino, o qual conhece como ninguém.
2 comentários:
Clap, clap, clap! (Há muito tempo não lia linhas tão primorosas, com entrelinhas dolorosas. Um poeta desses, admirável assim, não pode não ser conhecido. Estou encantado, Lina.)
CATASSOL
by Ramiro Conceição
O poeta fora prometido ao Deus da Vida;
porém, sem saber, engravidou de poesias
por ação do espírito humano.
E o Deus da Vida, seu marido prometido,
que era justo, não o denunciou
porque sabia que o artista trazia frutos
ao seu passado-presente-futuro.
O poeta concebeu em sua língua
para ensinar — em muitas línguas —
sua linguagem estética, política
e ética.
E a lira não se quebrou.
E um catassol cantou:
“Sou um ruminante cérebro mutante,
um ser que considera o ser maior que o ter,
um lento catassol — sobre a leitura —
que sabe que ler é conceber com ternura.
Sou uma repetição, uma aliteração,
uma especiaria para condimentar iguarias,
uma hortaliça que plantei em nossa horta.
Sou homenagem póstuma a estrelas mortas!
Perdi a hora de tudo.
Meu relógio marcou todos os fusos.
Sou a maçaroca no fuso do mundo.
Cada vez mais,
torna-se claro
que sou feito
d`outra história;
não desta,
mentirosa
e sem memória.
Cada vez mais,
tenho a certeza
de que pertenço
ao mar bravio
pois sou um peixe
que não pertence
a este aquário vil.”
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