setembro 26, 2009

Zeca Leite, nosso Poeta Gentileza


Água quente

Mãe, a água tá quente, mãe...
Deixa o pé formigando.
Ando tão cansada que é bom que o pé
formigue na água quente.
Ai, mãe, esta quentura me incomoda.
Olha a minha coxa se arrepiando...
Se ele viesse e visse
que diria de minhas coxas?
Ia achar elas bonitas?
Ia virar a cara?
Ia me chamar de sem-vergonha?

Mãe tenho que cortar as unhas,
tenho que passar esmalte
daquele bem vermelho,
porque vou comprar sandália branca
e vou ao casamento da irmã dele
e vou dançar com ele
e preciso passar esmalte,
entendeu mãe?

Sabe, tem horas que fico pensando que felicidade
é uma coisa que nunca experimentei,
que nunca vai chegar pra mim.
Acho que ela é tão pouquinha no mundo
que não sobrou um pedacinho,
um pequititinho de nada.
Por que será, mãe?
Por que a vida tem que ser do jeito que é?

Ih, mãe, olha o tamanho da lua que vai subindo
lá por detrás do paiol...
Ela parece grávida, não parece?
Ela não parece barriguda?

Mãe será que é bom beijar
namorado na estrada,
numa noite enluarada como esta?
Como será, mãe, como será?

Mãe, a água esfriou na bacia
e eu aqui lavando o pé...

Não tenho mais comichão, a água não queima,
mas se a senhora visse a lua donde eu vejo, mãe,
se a senhora soubesse como são as coisas...

Mãe tem água fervendo dentro de mim
e tá queimando tudo, formigando tudo,
invadindo tudo que nem sei, mãe.
Nem sei...

Zeca Corrêa Leite
*Zeca, amigo de longa data, que manda, de vez, um poema.
Ele é de uma generosidade única em espalhar seus trabalhos, em geral em torno do universo feminino, o qual conhece como ninguém.

2 comentários:

Fraga disse...

Clap, clap, clap! (Há muito tempo não lia linhas tão primorosas, com entrelinhas dolorosas. Um poeta desses, admirável assim, não pode não ser conhecido. Estou encantado, Lina.)

Ramiro Conceição disse...

CATASSOL
by Ramiro Conceição


O poeta fora prometido ao Deus da Vida;
porém, sem saber, engravidou de poesias
por ação do espírito humano.
E o Deus da Vida, seu marido prometido,
que era justo, não o denunciou
porque sabia que o artista trazia frutos
ao seu passado-presente-futuro.

O poeta concebeu em sua língua
para ensinar — em muitas línguas —
sua linguagem estética, política
e ética.
E a lira não se quebrou.
E um catassol cantou:

“Sou um ruminante cérebro mutante,
um ser que considera o ser maior que o ter,
um lento catassol — sobre a leitura —
que sabe que ler é conceber com ternura.

Sou uma repetição, uma aliteração,
uma especiaria para condimentar iguarias,
uma hortaliça que plantei em nossa horta.
Sou homenagem póstuma a estrelas mortas!

Perdi a hora de tudo.
Meu relógio marcou todos os fusos.
Sou a maçaroca no fuso do mundo.

Cada vez mais,
torna-se claro
que sou feito
d`outra história;
não desta,
mentirosa
e sem memória.

Cada vez mais,
tenho a certeza
de que pertenço
ao mar bravio
pois sou um peixe
que não pertence
a este aquário vil.”

Quem sou eu

Minha foto
Curitiba, Paraná, Brazil
Sou fotógrafa e curiosa. Vivo na cidade de Curitiba e gosto de olhar e documentar a relação das pessoas com os espaços em geral. Levo isso ao pé da letra, quando fotografo as ruas e sua ocupação desordenada. Também nos interiores das submoradias, longe de qualquer padrão de ordem mas com um sentido de segurança, mesmo que penduradas e vulneráveis à primeira chuva. Mas tudo isso tendo como compromisso a beleza, a harmonia. Mesmo na realidade de uma favela, resgatar a dignidade através do belo é o que me interessa. Gosto também, e muito, de design e arquitetura. Da social à contemporânea, o gosto pelo ocupar me interessa. contato: linafaria@yahoo.com.br
Todos os direitos reservados à autora.
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