maio 07, 2010




                               imagem internet, sem crédito




“ Tempos pela fotografia, mesmo que intempestivos.” 


Repensando a Fotografia e os Fotógrafos


Queridos amigos que aqui vêm, mesmo agora que tenho menos tempo para o convívio desejado por mim a pessoas que de alguma forma se identificam com minha maneira de expressar.


Por motivos de saúde, que não vem ao caso aqui comentar pois acho um pouco piégas uma exposição pessoal que vá além de assuntos que não interessam a todos, criei o Não Lugar, um blog que daria continuidade ao "Olho da Rua",  antigo site que só falava da cidade de Curitiba através de imagens, textos crônicas sobre a cidade, enfim, um diário pelos olhos de uma flanêr.


O Não Lugar, mais livre, também segue o mesmo conceito, porém mais generalizado.
Não é um blog de fotografia. Não discute a História da fotografia, se não houver um gancho que sustente hoje essa História.
Até porque, temos hoje em dia um farto elenco de artigos, livros, ou mesmo a internet que trás tudo pronto nos sites tipo Via e tais. Também as faculdades e cursos de extensão universitários que até ministro às vezes,
têm formado de forma quase erudita nossos novos fotógrafos. Bom? muito bom!
Minha geração, quando concluía o segundo grau e não era classe média que pudesse ir estudar fora, tinha que ser auto didata na fotografia. O que fiz, mas que demorou muito mais que agora quando temos fartos acessos à informações mais sofisticadas.
O que aprendi de fotografia no curso de jornalismo, foi quase nada. Certamente eu sabia menos de  História que os professores. Mas de fotografia, sabia mais. E olhe que eu era bem bobinha aos 17.
Depois, em São Paulo, tive a sorte de ter o Bóris Kossoy como professor, o que me  foi bem valioso. Mas essa é outra história...


Bem, mas voltando ao assunto inicial, após um tempo começou  a me incomodar essa forma de aceitar a banalização da fotografia, sem preocupação com isso.
Sinto que comigo, uma horda de profissionais que escolheram essa profissão lá atrás e dela foram sacerdotes, começam mobilizações de forma a esclarecer melhor à sociedade e aos novos fotógrafos que eruditismo, curiosidades e reflexões sobre a fotografia, são fundamentais. Saber o que a fotografia do leste europeu fez por ela, é essencial. Agora, de que serve toda essa ilustração se não há mercado para que eles cunhem sua história contemporânea?


Portanto, tenho voltado esse espaço mais para esse nicho de atuação ao qual pertenço há mais de trinta anos.


Fique claro, não há nenhum preconceito à democratização da fotografia. Mas há uma necessidade, que não é só minha, de esclarecer algumas posições. Senão pareceria que somos também fotógrafos enquanto não terminamos um curso universitário ou não achamos nada "melhor e mais glamuroso pra fazer". Isso não sou eu que acho. Há muita gente refletindo sobre.
Pela irritação de vir blogs sustentados com fotografias de baixas resoluções, abertas, enormes, sem nenhuma preocupação ou conhecimento básico de que temos que ter respeito ao leitor e ao fotógrafo que se postou em baixa resolução é porque não quer seu uso indevido. Mesmo com os créditos!
Bem, é só mesmo pra diferenciar o uso do blog por lazer e terapia ocupacional, de outros que os têm por ter um bom texto, boas fotos, desenhos, etc...
No mai, é terapia ingenua e bobinha. É o que acho.


Sei que blog não é lugar de longos textos, mas quem disse que procuro o mais fácil?


Porém, nesse meu mergulho na cidade, passamos a ser meio autistas.
A rua não nos proporciona intimidades com nada nem ninguém.


Principalmente quando somos observadores e tentamos ser o mais transparente possível, elegendo assim o outro como objetivo.
Mesmo em meu processo de viver nesse turbilhão decadente que é o centro velho de uma cidade de mais de 2 milhões de habitantes, e já conseguindo criar um elo de vizinho com o entorno,
 sinto crescer em mim um enorme distanciamento do mundo pasteurizado da elite. Do Soho Batel, como "originalmente" chamam os "Jardins" daqui, no Batel.


Bem, queria apenas, antes de postar esse mais que pertinente texto do coletivo "CIA de FOTO", dizer da minha preocupação que, acredite, não é reserva de mercado pois o mercados que tinhamos acabou e está todo mundo andando e acompanhando os novos tempos. Mas há uma responsabilidade que faz com que nós, fotógrafos de fé, passemos nossas experiência, valendo-nos da experiência do novo.
Vamos ao texto:





 Tempos pela fotografia, mesmo que intempestivos



Tags
antonino, arlindo machado, claudia linhares sanz, Georgia Quintas, italo calvino, livia aquino, mauricio lissovsky, Ronaldo Entler


by ciadefoto on May 3rd, 2010


A gente não entende esse tempo em que nem todos são fotógrafos mas todo mundo fotografa. Buscamos de forma incessante definir quem é fotógrafo, o que sustenta tal definição. E é aí que se complica, entender se multiplica. Ser fotógrafo pressupõe assumir algumas rotas que são bem subversivas, entre elas, enfrentar essa questão de que todas as pessoas fotografam, sem necessariamente precisar buscar entendimentos sobre o que é o fotográfico. Talvez, aí esteja uma resposta. Essa compreensão fica a cargo de quem, além de fotografar, é fotógrafo. Esse é o nosso tempo: um mundo em que a fotografia é experimentada por todo ser humano mas nem todos precisam entender o que fazem.


Fotografar passou a ser um gesto fundamental para que algo seja efetivamente olhado. Parece que, na vida, sem a mediação de um dispositivo, as existências são precárias. Um ponto cego se coloca à nossa frente e só quando uma imagem intervém é que esse espaço se abre, tornando-se visível e consciente. Apesar desse movimento massivo de se fazer fotografias, desse gestual fotográfico que define nossa sociabilidade, nem todos são fotógrafos.


O mundo fotografa para que as histórias se tornem universais, permitindo a compressão de todos. A imagem é um lugar de síntese de todas as diferenças. As arestas que naturalmente existem em algo singular são aparadas no gesto universal dessa fotografia feita comumente pelas pessoas. Os dispositivos fotográficos estão em todos os bolsos, em todas as mesas, em todas as cabeças. Do mesmo modo, os meios para a difusão dessas imagens estão disponíveis a todos.


Quando surgiu, a fotografia tinha tudo para ser uma invenção malcriada. Revolucionária, poderia não ter se prendido aos modelos criados pela tradição artística. Mas, desde o princípio de sua história, ela preferiu seguir um caminho mais seguro, transformando-se em uma estrutura sólida como concreto, estúpida como uma verdade já assimilada. Para tudo, um compartimento. Em cada objeto fotografado, um gênero: o retrato, o nu, a paisagem… E, mais adiante, para cada uso, um selo social: o fotojornalismo, a publicidade, a fotografia de eventos, de identificação policial ou científica, de arquitetura, de moda, de still, documental, de autor… E, ainda, a fotografia amadora. Cada casa passou a ter uma câmera, e ela era um objeto poderoso que confirmava a existência de um grupo como família. As máquinas tinham filmes e esses duravam dias, meses, colecionando os instantes que, em algum momento, seriam revelados. E as fotos, quando apareciam, já pertenciam a um outro tempo, o do passado familiar. E assim existíamos.


Hoje em dia, a fotografia não é mais um bem familiar mas sim um objeto individual, disponível a cada um. Uma câmera não é mais um patrimônio, é somente um dispositivo dócil, bem mais leve e sem ruído. A foto não é mais um instante eleito ou um espaço cultivado para virar lembrança. Ela é potencialmente todo o continuum da vida, ela é todo e qualquer instante.


No tempo em que queremos viver, os espaços se misturam, o jogo se faz nas bordas, nas sobreposições daqueles compartimentos criados pela sociedade moderna. E é esse o tempo que queremos como matéria de construção da nossa história: as ideias se criando no atravessamento das fronteiras. É um prazer imenso chamar Rodrigo Braga de fotógrafo e João Castilho de artista.

“ Pensar a fotografia como um lugar conceitual nos permitiria olhar para a própria história de modo transgressor. Poderíamos, por exemplo, ver quanto outras manifestações artísticas podem ser pensadas com base na fotografia.” Ronaldo Entler

A gente busca entender esse tempo, por isso somos fotógrafos. Todo mundo faz imagens corretamente, e daí, o que nos cabe? Talvez, assumir-se em nossa sociedade com um veio oversea, transgressor, made in qualquer lugar sobre uma ordem não prevista. Ser fotógrafo em nosso tempo é se comportar como um pirata que opera também por apropriação. Aquilo que é essencial à criação fotográfica não exige uma máquina. Em princípio, as imagens já estão por aí e são de todos, de quem as usa e de quem as edita. Somos na verdade intérpretes desse mundo em que o fotográfico se faz acima de tudo no pensamento. O nosso tempo se faz no espaço que dedicamos à compreensão desses fluxos, dos atravessamentos que se criam naquilo que procuramos entender. E esse tempo nos diz que tem muita coisa legal fora dos compartimentos inventados nos tempos de outrora. Pensar revela o quanto tudo pode ser visto a partir do fotográfico. Nosso trabalho talvez seja essa busca por extraquadros sucessivos, o fotográfico que existe além das bordas de uma imagem. Nossos ídolos migraram do clique para a escrita, do quadro para a oralidade. Para além dos cliques, nossos mestres da fotografia estão também na escrita. Os melhores fotógrafos de nosso tempo são Maurício Lissovsky, Arlindo Machado e Ronaldo Entler. Os fotógrafos de outros tempos são Borges e Calvino, Funes e Antonino. E junto a gente, nessa mesma busca, ainda temos Claudia Linhares, Georgia Quintas e Lívia Aquino.

Existe um mundo sempre infinito para ser inventado. Nosso tempo é a ferramenta que possibilita essa invenção, através do exercício sistemático de compartilhar ideias. Deveríamos dar um passo além dos limites que nos foram impostos tempos atrás. E um passo aquém das categorias que aceitamos para educar, para tornar menos complexa uma invenção que deveria ter sido malcriada. O melhor disso tudo é o direito que temos de dizer um não para quem cria certezas, e oferecer um palco para quem se coloca nas dúvidas.

A própria fotografia simula, refaz histórias. Ela é uma ansiedade que se traveste de meio, um caminho, um modo de pensar. Esse pensamento fotográfico antecede as máquinas e a própria denominação da fotografia. As experiências que visavam representar e organizar a ideia de que existe um hoje, um amanhã e um bem antes de ontem, já eram fotográficas. O nosso pensamento é fotográfico desde que conhecemos o tempo. O que ocorreu no século XIX é que a humanidade tomou a decisão de objetivar esse pensamento, unindo o fotográfico a um referente, criando um aparelho que fixava um rastro nesse fluxo de identificação com o tempo. Um desejo de colecionar, de aprisionar pensamentos em uma caixa escura. Mas esse troço que inventaram, esse equipamento que sintetiza um monte de meios de percepção, que faz o mundo posar para gente, que antes era um patrimônio familiar e que agora é de todo mundo, não tem nada de exato e passa longe de ser objetivo. Até mesmo porque o próprio aparelho não está sob nosso total domínio. O acaso ainda o rege. Ainda olhamos para as máquinas como objetos sagrados, que nos constrange com sua presença, do qual dependemos para confirmar nossa existência e que cria mundos, saibamos disso ou não.


Podemos inventar tempos através da fotografia, mesmo que eles resultem intempestivos. Vale a pena assumir os riscos de romper com o referente, de acreditar no fotográfico como dimensão do pensamento e de se esquecer um pouco da objetividade humana. Em nosso tempo, é pertinente se vingar da mecanização fazendo uso da ficção. Mesmo sabendo que enquanto alguns criam espaços mais fluídos de compreensão, outros ainda tentam restabelecer um passado estático. E não um passado a que constrói novas experiências, mas um outro que visa garantir os entendimentos consolidados, os recalques. Naquilo que buscamos, não há espaços para a doutrina, não há regras nem limites para o fotográfico, só aceitamos revisões. Em nosso tempo, operamos com espaços imaginados sobre bases mais intuitivas. Pelo menos é o que entendemos. Aliás, somos fotógrafos, e o que nos resta é entender.


“ [...] como não admitir que a ficção oferece experiências efetivamente transformadoras da realidade, às vezes tanto ou mais revolucionárias que o documentário dito engajado? Uma vez que, por meio do estranhamento, essas obras já nos ajudaram a reconhecer as possibilidades de manipulação da fotografia, estamos agora em condições de recuperar as possibilidades de identificação com o olhar. Teremos, então, a supresa de perceber que, ao inventar um mundo, essas ficções nos representam ainda mais profundamente.” Ronaldo Entler


Se é para pensar no tempo, que seja nesse em que vivemos. Que se torne política nossa expressão pessoal. E que assim a gente possa afirmar que o melhor de nossa fotografia está no pensamento. Portanto, trata-se de uma fotografia que existe como idéia, mais do que efetivamente como técnica. E se é para escrever um texto, que ele se torne um manifesto que provoque nossa disposição para aprender, porque até agora não vivemos senão a dislexia de uma incapacidade, uma fotografia que somente soube repetir. O valor de escrever sobre o tempo é constatar que há muito o que fazer na compreensão do fotográfico. Além da oportunidade de registrar nossas surpresas diante desse tempo em que nem todos são fotógrafos mas todo mundo fotografa.


*texto produzido para publicação do FestFoto Poa, 2010.
fonte:  http://ciadefoto.com.br/blog

2 comentários:

Ciro disse...

Putzzzzzzzzzz, grandinho o texto, mas sim, lido na íntegra - e procedente, oportuno!!
Abraço

Lina Faria disse...

Ciro, obrigada por ler.
É mais um registro de opinião.
bom findi!

Quem sou eu

Minha foto
Curitiba, Paraná, Brazil
Sou fotógrafa e curiosa. Vivo na cidade de Curitiba e gosto de olhar e documentar a relação das pessoas com os espaços em geral. Levo isso ao pé da letra, quando fotografo as ruas e sua ocupação desordenada. Também nos interiores das submoradias, longe de qualquer padrão de ordem mas com um sentido de segurança, mesmo que penduradas e vulneráveis à primeira chuva. Mas tudo isso tendo como compromisso a beleza, a harmonia. Mesmo na realidade de uma favela, resgatar a dignidade através do belo é o que me interessa. Gosto também, e muito, de design e arquitetura. Da social à contemporânea, o gosto pelo ocupar me interessa. contato: linafaria@yahoo.com.br
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