julho 26, 2010





Você é Hands On?




 
mulheres de superagui, com a mão na massa.


Montezuma Cruz, sempre antenado, me manda texto hilário e sério de Max Gehringer publicado na Revista Exame.
O Monte, grande amigo e companheiro de belas reportagens por Mato Grosso, Bolivia, etc..., pelo the glob como ele chamava o poderoso O Globo, do qual era correspondente em Cuiabá.
Agora, mais uma vez baseado em Brasília mas cobrindo assuntos da Amazônia, me manda sempre dicas palpitantes. Garimpos espertos de um velho e bom repórter (e como cobrimos garimpos na época!). Sorry pelo velho, Monte. Força do hábito.
Afinal, Montezuma é Hands On.



Vi um anúncio de emprego. A vaga era de Gestor de Atendimento Interno, nome que agora se dá à Seção de Serviços Gerais. E a empresa exigia que os interessados possuíssem - sem contar a formação superior - liderança, criatividade, energia, ambição, conhecimentos de informática, fluência em inglês e não bastasse tudo isso, ainda fossem HANDS ON. Para o felizardo que conseguisse convencer o entrevistador de que possuía essa variada gama de habilidades, o salário era um assombro: 800 reais. Ou seja, um pitico.Não que esse fosse algum exemplo fora da realidade. Ao contrário, é quase o paradigma dos anúncios de emprego. A abundância de candidatos permite que as empresas levantem cada vez mais a altura da barra que o postulante terá de saltar para ser admitido. E muitos, de fato, saltam. E se empolgam. E aí vêm as agruras da super-qualificação o, que é uma espécie do lado avesso do efeito pitico...



Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros candidatos tão bem preparados quanto ela, a Fabiana conseguisse ser admitida como gestora de atendimento interno.. E um de seus primeiros clientes fosse o seu Borges, Gerente da Contabilidade.



Seu Borges:

-- Fabiana, eu quero três cópias deste relatório.

Fabiana:

-- In a hurry!

Seu Borges:

-- Saúde.

Fabiana:

-- Não, Seu Borges, isso quer dizer "bem rapidinho". É que eu tenho fluência em inglês. Aliás , desculpe perguntar, mas por que a empresa exige fluência em inglês se aqui só se fala português?

Seu Borges:

-- E eu sei lá? Dá para você tirar logo as cópias?

Fabiana:

-- O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque eu tenho profundos conhecimentos de informática.

Seu Borges:

-- Não, não.. Cópias normais mesmo.

Fabiana:

-- Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha criatividade. Eu já comecei a desenvolver um projeto pessoal visando eliminar 30% das cópias que tiramos.

Seu Borges:

-- Fabiana, desse jeito não vai dar!

Fabiana:

-- E eu não sei? Preciso urgentemente de uma auxiliar.

Seu Borges:

-- Como assim?

Fabiana:

-- É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E considero isso um desperdício do meu potencial energético.

Seu Borges:

-- Olha, neste momento, eu só preciso das três cópias.

Fabiana:

-- Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro...

Seu Borges:

-- Futuro? Que futuro?

Fabiana:

-- É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui e ainda não aconteceu nada.

Seu Borges:

-- Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me aconteceu nada!

Fabiana:

-- Sei. Mas o senhor é hands on?

Seu Borges:

-- Hã?

Fabiana:

-- Hands on....Mão na massa.

Seu Borges:

-- Claro que sou!

Fabiana:

-- Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença que eu vou sair por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me prometeram quando eu fui contratada.


Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em duas facções:

1 - Uma, cada vez maior, é a dos que não conseguem boas vagas porque não têm as qualificações requeridas.

2 - E o outro grupo, pequeno, mas crescente, é o dos que são admitidos porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas não poderão usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não precisava delas.

Alguém ponderará - com justa razão - que a empresa está de olho no longo prazo: sendo portador de tantos talentos, o funcionário poderá ir sendo preparado para assumir responsabilidades cada vez maiores.

Em uma empresa em que trabalhei, nós caímos nessa armadilha. Admitimos um montão de gente superqualificada. E as conversas ficaram de tão alto nível que um visitante desavisado confundiria nossa salinha do café com a Fundação Alfred Nobel.

Pessoas superqualificadas não resolvem simples problemas!

Um dia um grupo de marketing e finanças foi visitar uma de nossas fábricas e no meio da estrada, a van da empresa pifou. Como isso foi antes do advento do milagre do celular, o jeito era confiar no especialista, o Cleto, motorista da van. E aí todos descobriram que o Cleto falava inglês, tinha informática e energia e criatividade e estava fazendo pós-graduação... só que não sabia nem abrir o capô. Duas horas depois, quando o pessoal ainda estava tentando destrinchar o manual do proprietário, passou um sujeito de bicicleta. Para horror de todos, ele falava "nóis vai" e coisas do gênero. Mas, em 2 minutos, para espanto geral, botou a van para funcionar. Deram-lhe uns trocados, e ele foi embora feliz da vida.

Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário para quem as Empresas modernas torcem o nariz: O QUE É CAPAZ DE RESOLVER, MAS NÃO DE IMPRESSIONAR.


Max Gehringer

Revista EXAME



 

2 comentários:

Mirella disse...

KKK, muito legal. Aqui na França tive problemas quando comecei a procurar um emprego de vendedora auns 10 anos quando cheguei. Com curriculo de arquiteta e a minha estratégia brasileira de super qualificaçoes no curriculo, ninguém me contratava. A partir dessa época, mudei de tatica e passei a calibrar o curriculo para o emprego, pois a frase: "Mas eu preciso de trabalho" nao funciona.

peri s.c. disse...

Muito bom mesmo.
Em breve pipoqueiros com MBA e tias do acarajé com especialização no MIT.
Enquanto isso para gerir nosso suadésimo dinheiro, em certos e altos cargos públicos ... bom, melhor deixa prá lá ...

Quem sou eu

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Curitiba, Paraná, Brazil
Sou fotógrafa e curiosa. Vivo na cidade de Curitiba e gosto de olhar e documentar a relação das pessoas com os espaços em geral. Levo isso ao pé da letra, quando fotografo as ruas e sua ocupação desordenada. Também nos interiores das submoradias, longe de qualquer padrão de ordem mas com um sentido de segurança, mesmo que penduradas e vulneráveis à primeira chuva. Mas tudo isso tendo como compromisso a beleza, a harmonia. Mesmo na realidade de uma favela, resgatar a dignidade através do belo é o que me interessa. Gosto também, e muito, de design e arquitetura. Da social à contemporânea, o gosto pelo ocupar me interessa. contato: linafaria@yahoo.com.br
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